Quando se reabilita pacientes neurológicos através de manuseio
corporal, que nada mais é que a terapia física aplicada, o profissional começa
a perceber que diferentes pacientes “agem” e “reagem” de forma peculiar, diversa
uns do outros, em relação aos movimentos próprios. Vê-se que alguns, apesar de
um quadro menos grave, tem muita dificuldade de entender ou colaborar com a
facilitação que o fisioterapeuta imprime aos seus movimentos; enquanto outros,
por vezes mais graves em seus quadros neurológicos, conseguem uma ótima
performance e, como é de se esperar, obtém melhores resultados relativos. Em
parte, pode se considerar que isso ocorre em decorrência da patologia
instalada, que tem a ver com o local do sistema nervoso lesado, com o tamanho
da lesão, com o tipo de lesão etc. Porém, a experiência mostra que não é só isso
que causa a dificuldade citada.
Em seu importante livro Estruturas da Mente: A teoria das Múltiplas Inteligências, o psicólogo
americano Howard Gardner explicita a diversidade de inteligências potenciais com
as quais o ser humano nasce e que, ao longo de seu crescimento, dependendo de
diferentes fatores, entre eles o ambiente em que vive, pode ou não vir a
desenvolvê-las.
Apesar do tema teórico e bastante voltado para a área da
cognição, um tipo específico de inteligência descrita pelo autor interessa ao
fisioterapeuta: é a Inteligência corporal-cinestésica. Em princípio, este termo
é fácil de ser entendido, pois liga corpo e movimento, podendo ser a base de
qualquer especificação posterior que se venha a fazer. Quem lida com o
movimento humano, está bem afeiçoado a ele, desde a academia.
Por sua vez, Gardner dá uma roupagem a este tema que o
fisioterapeuta, de forma geral, não está acostumado. Ele enfatiza o uso do
corpo como uma forma de inteligência, tendo como perspectiva performances
altamente hábeis – próprias dos chamados “exceção” – e os diversos aspectos mentais
e neurológicos que envolvem tais habilidades. Assim, a abordagem, poderíamos
dizer, está vinculada mais a psicomotricidade do que a motricidade em si, mesmo
que esta não fique de lado em sua exposição magistral.
Aproveitando a performance mímica do artista Marcel marceau,
que Gardner descreve no início do capítulo, ele diz: “Característica desta
inteligência é a capacidade de usar o próprio corpo de maneiras altamente
diferenciadas e hábeis para propósitos expressivos assim como voltados a
objetivos: estes que vemos quando Marceau finge correr, subir no trem ou
carregar uma maleta pesada. Igualmente característica é a capacidade de
trabalhar com objetos, tanto os que envolvem movimentos motores finos dos dedos
e mãos quanto os que exploram movimentos grosseiros do corpo.”
Mais adiante, o autor diz, ao tratar do escopo do capítulo: “...focalizarei
sobre indivíduos – como dançarinos e nadadores – que desenvolvem domínio
aguçado sobre os movimentos de seus corpos, assim como sobre os indivíduos –
como artesãos, jogadores de bola e instrumentistas – que são capazes de
manipular objetos com refinamento. Mas também considerarei outros indivíduos em
quem o uso do corpo prova ser central, como os inventores ou os atores.”
Basicamente, o que Gardner enfatiza é que certos indivíduos
fazem de seu corpo um objeto inteligente, sendo esta inteligência manifesta em
alguma habilidade extrema. E quando fala em objeto, não significa dar um
sentido de “máquina” ao corpo, mas sim de principal instrumento de expansão da
potencialidade do próprio ser.
Podemos associar a abordagem de Gardner aos ensinamentos do genial
psicomotricista português Vítor da Fonseca que, em seu livro Manual de Observação Psicomotora:
Significação Psiconeurológica dos fatores Psicomotores, coloca as
dificuldades psicomotoras de certas crianças como a causa primeira de problemas
de aprendizagem e cognição. Ou seja, crianças que não “sabem” ou não “conseguem”
usar seus corpos com inteligência motora, não conseguem desenvolver plenamente
o seu cognitivo.
E isso fica claro, quando Fonseca diz: “... percebemos a
evolução da criança do reflexo à reflexão, do ato ao pensamento e do gesto à
palavra.”
Assim, voltando ao primeiro parágrafo, podemos afirmar, ao
verificar muitas das diferenças de recuperação do movimento, que isso também ocorre
devido a inteligência corporal-cinestésica dos pacientes que, é claro, já existia
antes de suas doenças e se manteve, em parte. São pessoas que ainda tem aquele “domínio
aguçado sobre os movimentos de seus corpos”, como disse Gardner. Mesmo que a palavra “aguçado” seja exagerada
aqui, tal inteligência física, ao ser identificada no paciente, deve ser mais
um elemento usado na reabilitação.
Dr. Adriano Daudt
Crefito5 19368F
Crefito5 19368F
Gostei do assunto. Sou professora anos iniciais e com alguns movimentos percebi que alunos conseguiram melhorar a marcha e com isso a aprendizagem. Estranho? Não. É Cinesio
ResponderExcluirlogia
Com certeza, professora, a psicomotricidade pode ser uma ótima solução para os problemas de aprendizagem.
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